Texto publicado por Everton Gurgel na Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente de Coimbra, Portugal.

1. Introdução

 A Eficiência energética constitui hoje objetivo incorporado às ações estratégicas de um sem-número de países e atores internacionais. E há muita motivação para assim agirem. É bem de ver que, para além da poupança de energia, medidas voltadas a incrementar a eficiência energética tendem a proporcionar maior garantia no aprovisionamento de energia, o que é particularmente importante em um contexto em que o fornecimento de fontes primárias, muito amiúde, cumpre a países ou regiões politicamente não alinhados com os maiores consumidores dessas fontes. Veja que mesmo relações que se demonstram pautadas pela fiabilidade, como o é, só para citar um exemplo, a que se trava entre os Estados Unidos da América e a Arábia Saudita, que mantêm um relevante comércio de petróleo, são arrimadas sobre um equilíbrio tênue, como reverberadamente assinalam analistas internacionais.

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Uma configuração mais eficiente dos gastos energéticos contribui significativamente para a redução da emissão dos gases causadores de efeito estufa (GEE), sobretudo pela eventual diminuição da queima de combustíveis fósseis, cuja emissão de dióxido de carbono (CO2) é a principal responsável pelo aumento na temperatura global. (Note que 80% da energia mundial é fornecida por fontes fósseis2, ao passo que o CO2 corresponde a mais de 85% dos gases de efeito estufa.) Ilustram o que foi afirmado os dados da União Europeia, conforme citado por Castanheira, para quem 1% de investimento anual suplementar aplicado no setor das energias renováveis na União Europeia (ou seja, 240 milhões de Euros por ano) permite criar ou manter de 10000 a 26000 empregos, reduzir as emissões totais de CO2 de 0,5% a 0,7%, reduzir as importações de energias não renováveis em 0,6% ao ano e, ainda, gerar um benefício líquido para a economia da ordem de 300 a 500 milhões de Euros por ano.

2. Cidade: fonte de problema e parte da solução energética

A ver que às áreas urbanas incorporam-se, anualmente, 67 milhões de habitantes5. Hoje, mais da metade da humanidade vive em cidades, índice que, na Europa, representa 70%. Já em 2030, a população urbana mundial será de 5 bilhões de pessoas. A taxa de crescimento urbano, embora substancialmente maior em países em desenvolvimento, em torno de 2,7% ao ano, é também bastante significativa no mundo desenvolvido, estimada em 0,5% ao ano, ritmo de crescimento dez vezes maior do que qualquer outro tipo de ocupação do solo. Nesse passo, estima-se que, em 2050, 70% da população mundial e 83% da população europeia residirão em áreas urbanas.

O problema do gasto energia em cidades se coloca ao se ter em vista que os habitantes de zonas urbanas consomem, em média, o dobro da energia per capita de um habitante rural.

Só o setor de edifícios é responsável por espantosos 50% do consumo energético do planeta, considerando-se não só a exploração, mas também sua construção. Já tomando o problema sob o enfoque ambiental, tem-se ainda que 80% das emissões de CO2 têm origem em cidades.

Com efeito, a análise de tais dados, não há negar, facilmente dimensiona a importância das cidades para a abordagem da problemática energética.

Por outro lado, há estimativas que colocam as cidades sob um prisma mais otimista. Isso, não por negar os dados acima aventados, mas por demonstrar que as áreas urbanas e, em especial, o setor de edifícios são uma das principais searas, senão a principal, em que se pode obter incremento da eficiência energética a baixo custo. Em outras palavras, o setor de edifícios possui a melhor relação custo-benefício em face de investimentos em medidas de eficiência energética.

Os dados disponíveis a esse respeito, em que pese reportarem-se à diminuição da emissão de gases de efeito estufa (GEE), relacionam-se diretamente com a eficiência energética, eis que a emissão de tais gases deve-se, nesse caso, ao consumo de energia.

Assim é que, em relatório do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) afirma-se categoricamente: “os edifícios oferecem a melhor relação custo-benefício em oportunidades de mitigação de GEE entre os setores examinados neste relatório.”. Observe que o relatório do IPCC abordou, além do setor de edificações, os setores de transportes, indústria, resíduos, floresta e agricultura. E, no cotejo entre todos, assinalou a área de edificações como o segmento em que mais se pode obter ganhos de eficiência ambiental (e também energética, consequentemente) a um custo baixo.

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Especificamente na seara da energia, são dignos de nota o acordo de Prefeitos (Convenant of Mayors), que reúne mais de 500 cidades europeias comprometidas com a prática energética sustentável, e o programa Energia Inteligente Europa, da Agência de Execução para a Competitividade e Inovação (EACI), o qual incorporou o antigo programa Civitas, que dá apoio direto a uma gama de administrações locais, buscando implementar a mobilidade urbana sustentável.

Nesse cenário, desvela-se uma série de medidas que procura enfrentar a problemática energética a partir e para as cidades. Tais medidas podem ser agrupadas em dois grandes campos, a saber: o planejamento da ocupação do solo e a disciplina das edificações. Aquele, com referência à distribuição espacial da cidade e do conjunto de suas edificações; este, com referência à edificação mesma, tomada individualmente.

A melhoria da eficiência energética nas cidades perpassa, portanto, por essas duas facetas, e estará a depender de medidas, as quais ora se constituirão em provimentos imperativos emitidos pelo Poder Público e ora se condicionarão por incentivos sem vinculação obrigacional, neste último caso, na esteira da emergência de um Direito Administrativo voltado mais a uma estrutura de diálogo e resultados e menos a um sistema rígido de hierarquia.

3. Planejamento urbanístico e eficiência energética

No tocante à disposição espacial da cidade, a gestão da energia envolve primordialmente o enfrentamento da dispersão urbana (urban sprawl, ou simplesmente sprawl, para usar a consagrada terminologia em inglês), não sendo à toa que uma das diretrizes da Carta de Leipzig clama pelo firme controle da dispersão e do fornecimento de terra, em ordem a viabilizar as estruturas de assentamento compactas e policêntricas.

A dispersão urbana é fenômeno pelo qual a cidade passa a ser ocupada de modo periférico, isto é, afastado do centro, em círculos concêntricos de densidade progressivamente menor. O motivo da aversão ao urban sprawl reside, sobretudo, no maior consumo energético despendido no transporte realizado entre as regiões periféricas e os centros de consumo e produção, o que é agravado pelo fato de que a própria dispersão territorial inviabiliza economicamente a disposição de transportes públicos para os ocupantes dessas áreas de baixa densidade.

Daí a razão por que o cientista ambiental Peter Newman, consoante referido pelo Departamento de Pesquisa em Ciências Socioeconômicas e Humanas da União Europeia, cunhou o termo “automóvel dependência”, para designar como a intensificação da dispersão urbana encaminha inevitavelmente ao uso do carro como meio de transporte, contexto que, ademais, propicia a ocorrência de congestionamentos, outro importante fator que relaciona a dispersão urbana com a perda de eficiência energética.

A adoção de modelos de ocupação policêntricos, tal como preconizado na Carta de Leipzig, pressupõe a coexistência espacial de funções, o que significa uma ruptura com o modelo da Carta de Atenas, o prototípico manifesto urbanístico de 1933 que apregoa a separação estanque das áreas residenciais, de lazer e de trabalho de uma cidade.

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Outros aspectos do planejamento urbano devem ser ponderados com vistas na eficiência energética de uma cidade. Assim é que, lançando mão dos exemplos extraídos da Obra “Ambiente Construído, Clima Urbano e Utilização Racional de Energia”, a eficiência de uma edificação pode vir a ser condicionada negativamente por uma série de fatores: “configuração da rede viária urbana determinar uma implantação desadequada em termos de exposição solar do edifício; elevada razão entre altura dos edifícios e a largura da rua (H/W) conduzir à obstrução da incidência de radiação direta no vão envidraçados; geometria e forma do lote restringir a área de fachada disponível à radiação solar; elevada densidade urbana originar níveis de renovação do ar deficientes; escassez de vegetação e arborização”.

Outro ponto a ser considerado refere-se à inoportunidade de levar-se a cabo proposições urbanísticas uniformes e aplicáveis às cidades indistintamente. Tanto é assim que, caso as cidades seguissem à risca o disposto na Carta de Leipzig sobre Cidades Sustentáveis e na Agenda Territorial para a União Europeia a respeito do urban sprawl, sem tomarem em conta outras considerações de ordem local, poderiam eventualmente vir a ser de tal modo compactas que se sujeitariam ainda mais aos efeitos do aquecimento global, dado o efeito ilha de calor (UHI, na sigla em inglês, urban heat island). Veja, exemplificativamente, que enquanto, em Lisboa, o efeito UHI pode significar até 50% menos necessidade de energia para aquecimento de prédios, e talvez ainda mais nas cidades da Ucrânia, onde o aquecimento de edifícios responde por cerca de 25% de toda a energia consumida no País, em Manchester, o efeito ilha de calor quer significar uma maior exposição da cidade aos efeitos deletérios do aquecimento global.

Exemplo da aplicação de preceitos de ordem local voltados à eficiência energética é a preferência que se deve dar, na cidade de Lisboa, à configuração de edifícios em ruas leste-oeste, em detrimento de ruas norte-sul. Isso, como assevera Helder Gonçalves, “em virtude de aumentar a área da fachada dos edifícios orientada a Sul, orientação essa que maximiza os ganhos solares na estação de inverno e no verão são inferiores aos ganhos das orientações Este e Oeste”.

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Em suma, a conjugação desses três fatores – primeiro, imposição extranacional de metas para a emissão de CO2, e consequentemente para a despesa de energia, não obstantes tais metas, em geral, venham de ser fixadas voluntariamente em acordos multilaterais (em uma estrutura dialógica, diga-se); segundo, a importância da gestão da cidade como elemento crucial para o atendimento de referidas metas; e, terceiro, a inevitável fixação de parâmetros, para o nível local e por entidades transnacionais, de metas energético-ambientais – a conjugação desses três fatores, repita-se, em alguma medida, irradiará ao Direito do Urbanismo os influxos do novo Direito Administrativo, tomando este na concepção exposta por Suzana Tavares. Isso, não obstante a resistência decorrente do princípio basilar do Direito do Urbanismo segundo o qual a atividade de ordenamento do solo corresponde a uma função pública.

4. Da eficiência energética das edificações e da Diretiva 2010/31

É de se atentar que o setor de edifícios (sejam estes residenciais ou comerciais) é responsável pelo consumo de 40% da energia primária da União Europeia. Essa mesma proporção, nos Estados Unidos da América, corresponde aos gastos tão-somente dos edifícios residenciais, os quais respondem pelo consumo de 70% de toda a energia elétrica americana.

Conforme já referido acima, levando-se em consideração a energia incorporada ao edifício, ou seja, incorporada ao processo de sua construção, o setor de edifícios é responsável por metade do consumo energético mundial, o que consequentemente implica graves impactos ambientais, dada a emissão de dióxido de carbono correspondente. E grande parcela desse alto consumo de energia deve-se à estrutura de edifícios que, nas palavras do Professor Rafael Serra da Universidade politécnica da Catalunha “se comportam piores que o clima. Mais frios no inverno e mais quentes no verão”.

O fato é que a modernização do parque edificado mundial possui a melhor razão entre o custo e o benefício na direção de se obter eficiência energética. Analisando os dados sobre a emissão de gases de efeito estufa, mas que, por razões já expostas, podem ser transpostos como paradigmas da análise da eficiência energética, tem-se que até 29% de todas a emissões de GEE previstas para 2020 poderão ser evitadas, sem custos financeiros finais (ou seja, com o despendimento de investimentos que se pagam), por medidas de mitigação de gastos energéticos em edifícios. Além disso, pelo menos mais “3% das emissões poderão ser evitadas com custos de até 20 dólares por tonelada de CO2 ou mais 4% a um custo de até 100 dólares por tonelada de CO2”. Por essa razão, o IPCC chega a afirmar que o setor de edificação constitui- -se no campo mais propício para comporem projetos de desenvolvimento limpo no âmbito dos mecanismos de flexibilização do Protocolo de Kyoto (MDL, ou CDM, na sigla em inglês).

A razão primordial para que esse horizonte promissor de obtenção de eficiência energética e ambiental por via do investimento em edificações não ter sido ainda explorado a contento reside no que o IPCC denominou incentivos deslocados, é dizer, o descompasso existente entre quem suporta os custos e quem aufere benefícios da estruturação energeticamente eficiente de um edifício.

Isso porque o construtor, em geral, não suporta os custos energéticos do uso da edificação destinada à venda. Nem tampouco o senhorio, a quem cumpre muitas vezes realizar grandes obras de remodelação nos edifícios, beneficia-se imediatamente de eventual economia nos custos com energia, pelo simples fato de que é o arrendatário quem, por norma, arca com essa despesa. Outro elemento de incentivo deslocado apresentado no relatório do IPCC refere-se à situação, muito comum, em que o pagamento da conta de energia elétrica de um hospital é de responsabilidade de um fundo publico central, ao passo em que a responsabilidade por gerir a respectiva edificação cabe ao próprio hospital ou a uma autoridade local.

Como uma maneira de dar cabo a esse desajuste, vêm a lume sistemas de certificação energética tais como o LEED, nos Estados Unidos; o BREAAM, no Reino Unido, o Green Star na Austrália, o BEPAC, no Canadá e o Minergie, na Suíça. Ditas certificações, ao superarem a ausência de informações acerca da eficiência energética de edifícios, têm a aptidão de incorporarem ao mercado de bens imóveis a variável custo-benefício da eficiência energética ao longo do ciclo de vida do imóvel.

Estudos demonstram que uma edificação erguida sob a chancela do sistema LEED custa de 2% a 5% a mais do que o valor de um imóvel convencional, o que facilmente é recuperado durante o ciclo de vida do bem. No caso do sistema Minergie, os custos acrescidos são estimados em 6% em face de um prédio ordinário. Isso, para parâmetros de poupança de energia na ordem dos 50%.

As certificações energéticas de edifício tanto podem assumir a natureza de disposições voluntárias ou obrigatórias. Na origem, a certificação energética surgiu com um caráter voluntário, que, por sinal, ainda o tem em maior medida. Contudo, cada vez mais se fazem presentes preceitos legais que impõem sua obrigatoriedade.

Cite-se o exemplo da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), de aplicação generalizada nos EUA, e gerida pelo U.S. Green Building Council (USGBC), organização privada sem fins lucrativos. Sucede que diversas esferas do Poder Público americano terminaram por incorporar os parâmetros LEED a suas legislações, como é o caso de Boston, primeira cidade a adotar a obrigatoriedade de certificação LEED em seus edifícios, ao passo que a cidade de São Francisco obriga a que as edificações não apenas atendam aos padrões básicos de certificação LEED, senão que possuam características que as classifiquem em LEED- -Silver (atente-se que certificação LEED atribui pontos ao edifício de sorte a classificá-lo em Certified (26 pontos), Silver (33 pontos), Gold (39 pontos) ou Platinum (52 ou mais pontos)).

Apesar de iniciativas como a de Boston ou de São Francisco, a que se soma, por exemplo, o próprio Estado da Califórnia, primeiro a adotar regras gerais para todo seu território com parâmetros para construções eficientes, as medidas voluntárias de certificação, nos EUA, ainda possuem um espectro de atuação bem mais amplo do que as medidas impositivas, mormente na esfera residencial. Segundo as considerações de Mariel Dator, muitos analistas vêem com ceticismo a imposição obrigatórias desses padrões, em detrimento de incentivos de ordem econômica. Aspecto sobre o qual não pesa dúvida é que o envolvimento dos Órgãos Públicos afigura-se tão amplo que fatalmente continuarão desempenhando no futuro um papel importantíssimo nessa seara, seja qual for o modus faciendi adotado.

A União Europeia, por seu turno – sem tampouco descurar de sua função incentivadora, ativadora e orientadora, manifestada em uma miríade de programas e projetos de cariz voluntário, entre os quais o projeto denominado Green Building –, adotou um viés impositivo por meio da Diretiva 2002/91 de 16 de Dezembro, depois substituída pela Diretiva 2010/31, de 19 de Maio de 2010 (esta última com prazo de transposição fixado para 9 de Julho de 2012), em que compele os Estados Membros a estabelecerem requisitos mínimos de desempenho energético para edifícios novos ou para aqueles que passem por grandes renovações. De par com isso, prescreve a obrigatoriedade de certificação energética de todos os edifícios (novos ou velhos, residenciais ou comerciais) que sejam vendidos ou arrendados, além dos edifícios públicos ou de serviços aberto ao público. Nestes dois últimos casos, quando possuírem área maior que 1000 m2 (ou 500 m2, a partir de 2012, e 250 m2, a partir de 2015, segundo a nova Diretiva).

Vale dizer, os edifícios antigos não se sujeitam a parâmetros de eficiência energética, exceto se forem objeto de grande renovação. Já todos os edifícios novos, residenciais ou comerciais (com as exceções da norma, tais como imóveis militares etc.), devem atender a padrões de desempenho estabelecidos por cada Estado Membro, em que são considerados fatores tais como as características térmicas, a aplicação de energia proveniente de fontes renováveis etc.

Os edifícios já existentes sujeitam-se, isso sim, à certificação de seu padrão de consumo de energia, sempre que forem objeto de transação jurídica, tal como a venda, permuta ou arrendamento. Nesse caso, não se trata de atender a requisitos mínimos de desempenho, mas apenas avaliar e tornar público o nível de desempenho.

Duas inovações operadas pela nova Diretiva, a 2010/31, são particularmente dignas de referência.

A primeira refere-se ao art. 9º, que estatui a obrigação consoante a qual “o mais tardar em 31 de Dezembro de 2020, todos os edifícios novos sejam edifícios com necessidades quase nulas de energia”. Obrigação essa antecipada em dois anos, ou seja, fixada para 31 de Dezembro de 2018, “para os edifícios novos ocupados e detidos por autoridades públicas”.

Pelo que se percebe, com o comando desse art. 9º, a União Europeia pretendeu dar um paço à frente na promoção de uma rede sustentável de edificações. Nesse caso, foi além de simplesmente compelir os Estados Membros a adotarem requisitos mínimos de desempenho energético, senão estabeleceu como paradigma futuro o edifício com necessidades quase nulas de energia (nearly zero-energy building ou net-zero buildings). Avanço tão brusco pode serexplicado pela importância, já várias vezes repisada ao longo deste trabalho, da melhoria de desempenho energético das edificações em cotejo com o quadro geral de medidas que podem ser implementadas na direção do uso mais eficiente de energia e da tutela ambiental daí decorrente.

Nesse particular, a União Europeia não está sozinha, eis que o Departamento de Energia dos Estado Unidos estabeleceu um pretensioso objetivo de, para 2025, criar as bases tecnológicas e de conhecimento para a construção de edifícios zero-energy em condições economicamente vantajosas.

A segunda inovação que julgo seja pertinente fazer referência toca à obrigatoriedade de que os requisitos mínimos de desempenho energético definidos pelos Estados Membros passem a ter em conta os níveis ótimos de rentabilidade, isto é, o equilíbrio ótimo em termos de rentabilidade entre os investimentos efetuados e os custos de energia poupados ao longo do ciclo de vida do edifício.

Esse conceito de nível ótimo de rentabilidade, então inexistente na Diretiva revogada, veio à baila no intuito de evitar que Estados Membros estabelecessem requisitos de desempenho energético muito baixos, a ponto de tornarem inócuos os termos da Diretiva. Lembre que os requisitos de desempenho eram e são estabelecidos por cada Estado Membro. Na dicção da nova Diretiva, caso haja uma discrepância de mais de 15% entre os níveis mínimos de desempenho energético e os níveis ótimos de rentabilidade, o Estado Membro deverá justificar essa discrepância ou prever medidas para mitigá-la.

Ainda sobre o tema, chama atenção o disposto no preâmbulo da Diretiva em que se estatui: “o objectivo de alcançar níveis rentáveis ou óptimos de eficiência energética pode justificar, em certas circunstâncias, como, por exemplo, variações climáticas, que os Estados-Membros fixem, para componentes de edifícios, requisitos de desempenho rentáveis ou óptimos que, na prática, limitariam a instalação de produtos de construção que cumprem as normas estabelecidas pela legislação da União”. Outorgou-se, aqui, clara preferência aos ditames relativos à segurança energética e ao meio ambiente, em detrimento do princípio da livre circulação de bens.

Como consequência dessa disposição da Diretiva, o estabelecimento de regras, pelos Estados Membros, no que tange à busca pelos níveis ótimos de rentabilidade energética de edifícios pode significar uma limitação a normas gerais, acerca da livre circulação de produtos lícitos, expedidas pela União Europeia. Essa inversão normativa há de se justificar, como se infere do texto de Diretiva, em motivações racionais e com vistas nos resultados a serem obtidos com a medida. Não se trata aqui propriamente de uma propalada deslegalização que subjaz à ideia de um novo Direito Administrativo ou da autonomia do Direito da Energia, tanto que a norma que fixará os parâmetros de eficiência emanarão do Estado, mas, ainda assim, essa subversão da hierarquia normativa, tendo como alvo a obtenção de níveis ótimos de desempenho (no caso, o energético), deixa antever, mesmo que embrionariamente, alguns traços de um novo Direito Administrativo ou, quiçá, de um autônomo Direito da Energia.